24.1.20

Fim e começo.

2007.
 
(...)

Já cantavam os afro-sambas: é onda que vai, é onda que vem. É vida que vai, é vida que vem. Já disse que gato escaldado tem sete vidas. Tomei várias vacas neste ano. É onda que vai. Isso me acordou. É onda que vem. Sete ondas inesgotáveis para pular.

A onda nº 1 é onda que vai, leva a brisa que serena a pele esturricada; paleta de verdes; o que não está num mecanismo pré-concebido de ações; vontades e desejos; a sensação mucilaginosa de voar dentro de uma onda; pernas contentes num balé pendular para o céu; minha consciência condensada num corpo integrado no espa..e passa a morena curiosa de floral verde, leve, carregando todo o sorriso da praia na onda nº 2, onda que vem, com três-marias tatuadas atrás da orelha; duas gaivotas jovens brincando de sereia; tolices de casais teimosos; indiazinhas gêmeas em verde e amarelo; é sorvete da kibon é mate é coca é água; água do mar em garrafas pet; pranchas enterradas no deserto do arizona no momento quando vai a onda nº 3 e me desperta para um banho de mar e de repente me vi naquela ilustração do sempé das pessoas felizes que renascem nas ondas; uma andorinha do mar graduada e alguns súditos pardais espavoridos; deus do céu ,que belo lombo!; noto que a morena verde é docemente desajeitada; e vem um vento que só faz passar; assim como passa o vendedor colorido de cangas, assim como o tempo é anacrônico e absoluto; e lá vêm os saltitantes biscoitos globo; e junto com a onda que vem – a onda nº 4 – os ploques secos e isolados do frescobol; o esganiço de algum bacuri eletrecutado pela alegria; as flores que enviei para você; um coracão atropelado e fretado sem endereço; a espessa cortina de maresia que acaricia a paisagem; não tem mais a morena que brinca de pés trocados porque peguei o foco e fui embora; as folhas de palmeira que roçam e cantam depois do almoço e na onda nº 5, a onda que vai e leva pra longe um cartão postal de esquecer mágoas; algumas medidas de melancolia para encontrar a paz, porque afinal a tristeza é um lembrete de dedo (se fôr mesmo verdade que há uma certa tristeza para ser feliz); desenhos de azulejo para terra crua; churros no arpoador; as nuvens tímidas de céu que nos espiam por detrás dos morros; a ciclotimia exultante dos atalhos morais; a relevância dos fatos; a onda nº 6 que vem, carrega as barracas que voam gargalhadas em bando; um arrastão histriônico; uma revolução de todas as coisas cômicas e cosmogônicas; a liberdade das coisas cônicas, poliédricas e amorfas; a lotação dos sentidos na autoestrada; a violência do silêncio anti-monotonia; um tratado ornitológico para amizades leves; e é na onda nº 7, a onda que vai, que me apresento o descobridor dos sete mares, vestido com as flores do dia anterior, das entidades livres e da macumba sem cartório; coeso em um patamar inocente de plantar caminhos; pronto para conduzir meu estandarte em alto-mar mal-traçado; em auto-mór reinventado e abdicado das idéias mortas; e do camarote assisto a decadência de um império de tendências; regozijo o realejo e de repente é onda que vem, como vieram todas as outras ondas e é onda que vai, mas que, antes mesmo de se compreender qual seria o destino de todas as próximas (ou a origem das anteriores), será sempre a onda que é, a onda que está, a onda que leva consigo nenhum juízo de nada, a onda relativa que é só o efeito em cadeia de uma transformação maior, única e intensa. Prova disso, a evidência incontestável: é ano que vai, é ano que vem.

2008.


* texto de passagem que vale para todos os anos

2.3.18

Pangaré Haikai


estava no páreo
sem eira
nem estribeira.

24.10.17

Ciática


(pequeno poema de causa e efeito)

Com
puta
dor
.

17.9.15

O mar não está pra peixe



Sobre sereias e aquários
pouco sei ou quase nada:

me escapam entre os dedos
o tempo e o desejo,
quase água

(narciso acha feio o que não é espelho)

me encantam os segredos
mas os mistérios que vejo
em mim desaguam

quatro cantos,
quatro paredes,
tanto faz
se o vento
traz

tanto
e
faz.

26.2.15

maremoto

 

Não és mar
mas
maremoto

E eu
nesta maré
foto

Grafo as ondas
e as atravesso
roto

Em você
(terra à vista)
broto

 

Não és mar
mas
ela


Vento e
barco
a vela

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9.11.13

eclipse em escorpião


acho que a morte deve ser uma experiência mineral,
uma saudade-fóssil igual a quando o amor se vai.

(o amor não vai, meu caro, o amor está aí)

qualquer medo é inútil:
todo fim é um abismo que revela
nossas próprias asas.

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